Por Joao Mota
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18 out., 2020
É comum dizer-se que em tempo de crise é necessário realizar uma transformação que crie novas soluções para fazer face as dificuldades acrescidas. Ficou bem claro que esta altura sem eventos competitivos seria uma oportunidade para prescrever treino de base para atletas que deixaram de ter um calendário de provas preenchido. De uma forma muito generalizada o atleta de trail é um individuo com um perfil de um passado semissedentário ou sedentário que inicia ou regressa á prática após vários anos de afastado de atividades desportivas regulares, enquadram-se numa faixa etária acima dos 30 anos de idade (conforme é possível constatar pelo estudo publicado pela ITRA) e sem base de atletismo. O Trail devido às suas singularidades, ao contrário do que se pode pensar, é uma atividade extremamente exigente em termos de esforço muscular mas também fisiológico. Ao contrario do atletismo em estrada ou pista, o atleta é exposto mais tempo aos diversos elementos da natureza (calor, frio, chuva, vento, neve...), não tem acesso rápido a alimento, hidratação ou apoio técnico e tem que lidar com uma topologia de percurso muito desafiante (piso técnico e desníveis acumulados positivos e negativos muito acentuados e pendentes agressivos) É também comum que o atleta quando chega a modalidade não procure consolidar o seu desempenho, mas sim aumentar as distâncias, descurar os cuidados com a saúde e em ter um corpo forte e disponível para as exigências da modalidade. Parece que é mais importante mostrar muito do que mostrar pouco mas bem feito. Quando recebo um atleta no meu planeamento a primeira atenção é direcionada ao seu passado como praticante, as suas especificidades fisiológicas, os resultados em distâncias de fundo e meio fundo (dão sempre para uma analise mais detalhada sobre os aspetos relacionados com o desempenho) e as suas espectativas sobre o futuro e aquilo que pretendem fazer a curto, médio ou longo prazo. Por vezes é preciso refrear o entusiasmo e encontrar um ponto de equilíbrio e fazer entender que por vezes não é boa pratica começar a construir a "casa pelo telhado". O grande handicap na grande maioria dos atletas é o trabalho em zonas de esforço de frequência cardíaca e foi isso que procuramos desenvolver nos últimos meses. Sempre fui um grande aficionado em prescrever treino com base na perceção subjetiva de esforço (PSE) usando o método de escala de Borg e neste período de confinamento optei por trabalhar na base das zonas de frequência cardíaca de esforço (uso cinco zonas, sendo que a quinta zona divido em três fases). Foi possível constatar que num treino em PSE 4-5 de 30 minutos (Corrida fácil - facilidade de dialogar e monopolizar uma conversa respirando sempre de uma forma fácil ) versus Zona 2 de 30 minutos (Corrida fácil - especifica para cada atleta) havia uma diferença de 4 km, ou seja o atleta em PSE percorria em média num treino de recuperação 8 km enquanto que o mesmo treino em Z2 o atleta raramente passava dos 5 km percorridos. O atleta amador acredita que só pode ter rendimento e crescer nos indicies competitivos se fizer treinos de intensidade e com volume. O que não corresponde á realidade. Sendo assim o desafio que coloquei aos meus atletas foi consolidar o trabalhos em zona de esforço 2 e procurar pelas práticas de intensidade extensiva e progressiva melhorar o limiar anaeróbico e vo2max (o baixa taxa de massa gorda promove o crescimento do vo2max). O resultados começaram a aparecer ao fim de duas a três semanas. A enorme dificuldade em promover movimento em Z2 durante 30 minutos (com casos em que nem era possível concluir 4 km) transformou-se na capacidade de percorrer um distancia próxima dos 7 km na mesma zona durante o mesmo período de tempo. A base de treino fácil em conjunto com o treino em zonas de esforço superior fez disparar as limitações anaeróbicas (só possível porque nesta fase de trabalho não havendo provas não foi necessário colocar muito volume e isso fez com que os níveis de fadiga baixassem e a performance aumentasse) e conseguimos resultados fantásticos. Esta base de trabalho foi feita 90% em plano para facilitar os trabalhos em zonas de esforço baixas, com os níveis fisiológicos bem consolidados já trabalhamos com os desníveis que são a fase de especificidade da nossa modalidade. Nesta nova fase de trabalho estamos a aprimorar a arte do endurance (nunca descorando os trabalhos específicos em plano) com um balanceamento adequado de volume (procurar consolidar a distancia sem tempos mortos, andar é tempo morto (a não ser que seja trabalho especifico para atletas de distâncias muitos longas), tentar correr em qualquer tipo de topologia). O desafio agora é ter a capacidade de identificar o limiar threshold ou limiar anaeróbio, é o momento em que se alcança uma "máxima fase estável de lactato" sanguíneo; esse ponto de equilíbrio é identificado como limitar anaeróbio. Neste estado de equilíbrio identifico também a maior intensidade de exercício de carga constante em que ainda existe "equilíbrio entre a taxa de produção e remoção de lactato no sangue". Acima desta intensidade o metabolismo anaeróbio é cada vez mais solicitado, porque o equilíbrio entre a produção e a remoção foi quebrado. Resumindo não há vantagem competitiva em permanecer muito tempo acima da FC de limiar anaeróbio porque vai retardar a remoção de lactato e a fadiga chega bem mais cedo, obrigando a baixar a FC (ex: parar de correr, caminhar, trote, tempo morto) e voltar a encontrar o ponto de equilíbrio. O retorno que temos tido com esta filosofia de treino tem sido fantástico e acreditamos num ano de 2021 bem positivo para todos os que conseguiram aplicar com sucesso estes ensinamentos e outros que não estão aqui plasmados porque há um trabalho de foro bem individual que tem que ser aplicados conforme as necessidades do atleta.